POESIA - Ode à cidade






Vulto Cadente

Vulto cadente entre o azul
do motel – neon – saltou
na noite
sem que ninguém notasse.

Entre as buzinas, luzes
das vitrines,
faróis...
o passo apressado dos
passantes atrasados

não se pôde ouvir a porrada

- aliás, quase fora esmagada
a puta grávida
que se desmanchou ao chão.

Depois do estalido dos ossos
- absurdamente altos –
jaz...

na sarjeta sem atrapalhar o tráfego –
é hora do rush –
ou o tráfico,
sem atrapalhar
o ritmo dodecafônico metropolitano.

Nitiren Queiroz

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Cidade fantasma

Da infância, lembro-me de Santa cruz
e do seu lamacento Rio Pardo

Das suas águas frias
Do medo de pular da ponte
Das frutas na porta da vendinha
Do cinema sempre fechado

Na praça, imponente,
o Clube dos Vinte
determinava quem e quantos
ali mandavam

Ainda guardo a velha fotografia
Os irmãos abraçados
a igreja envidraçada
o sorriso clicado

Existiam as garotas, tantas e lindas
(e menino de cidade grande lá fazia sucesso)

Existia o sorvete
Existia o sítio
Existia o cavalo
Existia a funerária

E existia Maria
minha querida avó
minha avó cigana
minha “vó”  Maria

Da casinha aconchegante
Das comidas deliciosas
Do sorriso
Do carinho

Maria, nossa cúmplice
escondia nossas artes
Competia com mamãe
quem era mais mãe?

Nem avó nem mãe
Maria era a cidade
Santa cruz morreu com ela...

Airton Mendes
 
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Balada de um poeta morto

Oferenda ao santo
Pagas o que deve
Glórias. Amém
Barriga forrada
Horas. Vá...

Pés versus calçadas
Segundo, bolinas o rosto
Sinal
Anjos. Demônios
Cartão legal
Bom ou mau gosto

Que tal...
No forro, o quase-gozo
Janelas, sonho prazer
Paradas diversas
Tantas conversas
Oh indisciplina

Ar raquítico
Orgias de sons
Ereção abstrata
Audição: quatro patas
Defloração
Sentido sem dor e defesa

Próximo Ato
Inverno pousado
Ofício. Elegância
Camada superficial
Mimos. Ego
Profissional

Perturbação...
Julgam-se célebres
Às vezes, cérebros
Em verdade, genitálias
Hormônios. Adultério
Hierarquia. Assédio
Vanitas...

Glória. Outro Ato
Santo Estudo
Ilógica...
Oh legislador
Discorres sobre o Ensino
Tu mostras o caminho. Ou
Dilapida o espírito evolucionário

Introspecção...
Palavras novas
Bravo! Palmas
Cidade concreta...
Mentira mórbida

Regresso
Consolo. Esperança
Sofá. Outro forro
No nó, a garganta...
Cidadania, necessidade...

Hobby cativo
Cárcere “cidadânico”...
Escassez. Tédio
Subjeção. Neologismos

Perdoe-o pelo contágio
Mais do mesmo...
Perdoe-o pela fraqueza...
Espécie humana

Leito. Morte
Hora quinta: ressurreição
Só nesta semana...
Es um pesadelo
Fadado à repetição?

Sejas como for
Pagas o que deve
Glórias. Amém
Descaso ou acaso?
Não por causa do atraso
Sai sem um mísero
Café da manhã...

Henrique D. S.


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ODE(io)sÃO pAULO

1 - O LUGAR É FEIO                      É
2 - VIOLENTO                               É
3 - O TRÂNSITO É  UMA PRISÃO    É
4 - OS ARRANHA CÉUS HORRIVEIS É     SÃO
5 - O TIME COM O NOME DA CIDADE
É ASQUEROSO E ARROGANTE        É     PAULO
6 - A CIDADE RECEBE GENTE DE
TODOS OS CANTOS E ORIGENS     SIM
7 - OS MALTRATA E HUMILHA        SIM
8 - PLANEJADA E AREJADA             NÃO
9 - SEM DESIGUALDADE SOCIAL     NÃO
10 - POVO EDUCADO E CORDIAL     + OU -
 
Rogério Cabeça


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UM OLHAR SOBRE A CIDADE

Pelas lentes de nossas retinas, não se vê coisas tão boas
Já vimos cenas muito mais belas: filhos respeitar os pais, pais proteger seus filhos, os casais
beijavam-se muito mais, andavam alegremente de mãos dadas, davam milhos aos pombos:
Já não se vê mais pássaro, catando o "de comer" no concreto.

Lá distante numa curva, víamos o romper da aurora, hoje o dia nasce turvo e morre
acinzentado.

Bom seria, despertarmos com o cantar do galo, ou ainda que na cidade, com o ruído do
trem apitando...Piui..Piui...Chamando seus passageiros. (Alvoroço bom de acordar... esse)!
Agora se respira fumaça, não há mais pássaro na praça, nem árvore para ele pousar; vê-se
arranha-céus, que chegam quase a tocar o céu, até onde a vista alcança.

O cheiro de primavera, quase nem se sente mais...Confunde-se com outros odores, de
poluídos rios, que enfeiam o cenário da cidade, e, além disso, ainda causam enchentes e
seus "efeitos"!

A fumaça dos carros, o trânsito parado há quilômetros, causam estresse.
A violência que impera. Sair e voltar vivo para casa, virou uma batalha, semelhante à
de "devorar um leão por dia". Desviar-se das balas perdidas, do caos do trânsito,
e dos olhos "famintos" de crianças e idosos, sendo massacrados pelo sistema torna-se quase
impossível.. Pessoas viram pasta humana no interior de metrôs ônibus e trens: das sete, das
oito, e de todas as horas e a qualquer hora do dia, todos os dias.

De tudo se vê: as inocentes meninas que deviam estar brincando de boneca, hoje brincam
de mãe e filho(s) filha (s) prematuramente. Jovens de ambos os sexos desaprenderam
do que é infância, mas viram brinquedos na mão dos traficantes, quando não, tornam-se
dependentes: ou do uso, ou da logística da distribuição de drogas.
Pupilas são dilatadas...Mas não para "ver" o próximo, mas para "correr" atrás do próximo
trago, do próximo pico, do próximo gole, ou da polícia.

(Vive-se num amontoado: pais, mães, filhos (as) e netos (as) sem pais)!

Já não se vai mais à missa aos domingos como antigamente, poucos ainda se lembram
quem é Deus. Já não se reparte mais o pão, e sim o cigarro, a droga, a bebida, o viaduto e as
celas abarrotadas em completo frenesi; os que estão dentro comandam os que estão do lado
de fora; que aumentam a lista e a expansão de seus territórios...
Processos amarelam a espera de julgamentos; Juizes são ameaçados, quando não, mortos.
Mães pedem intervenção divina, por seus filhos (as) na linha da morte nos morros, nas
celas, e nas favelas...

(Pelas lentes de nossas retinas, não se vê coisas tão boas...)!
Josefa Matos
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Eras minha e confesso
jamais imaginá-la
Em braços de outrem
Cada sentido
Tomada de ti
remete à um canto
Terreno e triste
Neste chão
plantei o que há de mim
Corremos juntas
Nos tornamos paisagem
Parceira de travessas
- Cumplice de travessuras-
bem sabes que cresci
E você ainda mais
_Cidade amiga!
Agora nos rasgamos
Em duas partes somente
Digamo-nos  Adeus
_ Não, fique.
quanto a min
Fujo
Para tornar-me estranha.

Jèmina Diógenes.
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HOMEM URBANO
                                   
Andando, pelas ruas da cidade.
Eu tenho a cada dia observado.
Que a fraternidade, hoje é um sentimento distante.
As pessoas, estão se tornando egoistas.
Já não conversam mais.
E nem aceitam conselhos.
O respeito da trabalho.
A amizade custa tempo.
A solidariedade exige paciência.
Tudo isso se engloba em um sentimento que não é o amor.
O renascimento dos homems só ira surgir quando ele.
Aprender a amar novamente.

Leonardo Guinzani


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Cidade, Avenida, comércio, arranha-céu
Engarrafamento, rush na marginal
carrega seus vivos
Enterra os mortos
Árvores, concreto, poluição
Conversão, bosque nebuloso
Modernidade é  como um Trem-Bala
Escola sinônimo motor
Criança, dinamismo
Esperança da humanidade. 

Darmira Lourenço

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ESTAÇÕES

Lembro das estações
Caminhos alternativos
De gente chegando e saindo
Encontrei leito em teu hospital, quando nasci
Em tuas ruas largas, desfilando multicor de veiculos
Teci a passarela dos meus primeiros passos
Encontros, despedidas, abraços
Pássaros deitavam livres em tuas árvores
Foi minha estação primeira
Em tuas avenidas faróis marcam o tempo
Do tempo que não dorme
Cresci e cresceste também
Amadureci e te conheci melhor
O feio misturado ao belo, espelho de todos
Amor e crueldade
Dos campos de terra aos arranha-céus de pedras
Dualidade insistente
Minha estação segunda
Da arte em teatros pouco visitados
Envelheceste, velho oeste meio abandonado
Das árvores amontoadas parecendo um brócolis
Deram lugar a um paliteiro de edifícios
Crescente megalópole
Teus pássaros deitam livres em fios
Partitura de vivas notas exposta ao vento
E ninguém canta, nem encanta, inútil sentimento
Minha estação terceira
Das inocentes conversas em lares diurnos
Aos requintados bares noturnos
Busco minha ultima estação
Com olhar calmo de infância
Não há volta, adianta-se nosso futuro
Em buracos, placas, buzinas e esquinas
De uma relação partilhada
A uma relação quebrada
Queria de volta o passado
Vi em tuas saídas a minha saída  
E hoje revivo em mim,
Em outro lugar onde estou,
A lembrança que trago de ti.

Adilson Vieira

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MORADOR DE RUA

 Noites escuras, e frias.

 A bebida é a minha, compania.

 A cama que eu durmo.

 É feita de papelão.

Nos aterros, sanitarios .

Aonde eu tiro.

O meu sustento.

As pessoas tem pena de mim.

Poque se acham melhor, do que eu.

Mesmo tendo em comum.

Um unico pai.

Deus...


Leonardo Guinzani
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TRANSPOSIÇÃO

Tudo calmo na fronteira.
O marco zero me sorri. Um sorriso triste!
Parece que sabe: Não volto mais aqui.
Levarei ao sair de cena: Lembranças, comédias, saudades.
Guardado na bolsa: O último bilhete do metrô,
Que quando cruzava a esquina,
 fazia contraste com as BMWs

As lembranças que vão comigo?
A entrada principal, meu portal!
Fantástica arquitetura gótica, medieval.
Todo dia uma triunfal entrada.
Os elevadores que no vertical vai e vem,
deixavam gritos, sustos, pavor e medo.
Quando paravam no meio.

Os dias felizes? Levarei todos:
Lugares onde passei...
Banho de chuva, tomado sem querer.
Jamais vou esquecer.
Dos tristes?
Não guardei lembranças. 
deixarei-os  aqui.

Desta cidade Gigante, sobrou muita recordação:
Patriarca, São Bento, Direita...  
Frenéticas sedução.
 A Sé! Levarei no coração.
Sua Igreja majestosa.
Oráculo das minhas meditações.
Porto seguro em todas ocasiões.

Já o Mosteiro de São Bento,
sempre me foi mistério,
Marco muito imponente, 
E medo de enclausuramento.
Na lembrança vai, também,
um enigma a desvendar:
A Ponte Santa Ifigênia... fascinante.


Ah! As comédias hilariantes
Ah! As piadas de elevador. 
Ah! As gracinhas dos amigos!
Ah! Cenas 
ridiculamente urbanas,
Ah! fantástico bom humor.
Sempre farão me rir.

Saudades?  Sempre sentirei:
Da Bomboniere Kopenhagen, 
onde me enchia de delícias.
Do café do centro, 
que servia o melhor Beirute.
Dos amigos de escritório?
Isto que era família!

Sentirei saudades, também:
Da máquina elétrica, esférica, IBM.
confidente a qualquer hora,
companheira de escrita,
Melhor amiga não há!
Guardou para sempre
meus mais temerosos segredos.

Ao cruzar a fronteira, 
este marco zero triste
E meus pés pisarem outro lugar.
Sei bem que é lá, 
no centro de São Paulo,
que eles...
queriam pisar.

Sueli Rodrigues.

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SISTEMA

Penetrados ao fundo
Emaranhados dão a luz
Se enlaçam nos postes esguios
Ao entardecer se faz brilhar

Abrangem nas construções
Mecânica, comunicação
Esticando num percurso profundo
Corpos cilíndricos, tamanhos variáveis
Entram e saem de nossas casas.

Faz trajetos pela cidade
Acumulando detritos expulsos pelos homens
A natureza o recolhe
Quase perdendo suas forças

Não é mais insípida e inodora
Transparente: impossível, pelas impurezas em ti
Sua energia, a cidade ainda suga.

Darmira Lourenço